Por Elis Paulucci
A
curiosidade de muitos anos estava super aguçada.
A conexão na cidade holandesa de Amsterdã,
onde pode tudo, só aumentou a vontade de
conhecer um lugar onde nem tudo pode.
Chegando
ao aeroporto do Cairo, é inevitável
mostrar o sorriso e deixar a emoção
correr: cheguei ao Egito!
De
madrugada, a cidade do Cairo parece calma, mostra
seus viadutos, prédios e inúmeras
mesquitas iluminadas.
Depois
de registrar as primeiras impressões, uma
boa surpresa: o hotel fica em uma ilha bem no meio
do Rio Nilo e a vista noturna do 15º andar
é instigante.
Organizada
por Omar Naboulsi, da Bellydance,
a viagem começa a rolar. O primeiro passo
é a inscrição para o Festival
Internacional de Dança do Ventre 2001.
Livre
da excursão por alguns momentos, não
penso duas vezes em ir ao mercado Khan el Khalili.
A sensação é de que o filme
começou e estou dentro dele. Perder-se pelas
ruelas de Khan el Khalili é delicioso, pois
você sempre encontra algo interessante, que
não imaginava existir. Além disso,
as mulheres podem receber várias propostas
de casamento no meio da rua! Se a escolhida já
for casada, pode ser trocada por camelos –
cada um vale mil dólares.
Negociar
também é delicioso e vira um vício
que cria dependência a cada nova compra. Uma
mistura de idiomas invade o ambiente: árabe,
inglês, italiano, francês, espanhol...
Português? Difícil, mas quando se fala
em Brasil, ouve-se imediatamente: "Romário!"
Uma
infinidade de lojinhas, vendedores ambulantes, quinquilharias
de todos os tipos, produtos de alta qualidade, comida,
temperos, perfumes, roupas, jóias e o que
mais a sua mente permitir compõem este mercado
a céu aberto.
E
que céu! No Egito, chove apenas três
dias por ano e todas as manhãs são
ensolaradas.
A
noite chega trazendo emoções. A abertura
do festival revelou uma nova forma de ver e sentir
a Dança do Ventre. Forte, sensualíssima,
original e primitiva, a bailarina Dina traz a dança
no sangue e hipnotiza a platéia durante 90
minutos, me fazendo lembrar a origem sagrada desta
dança tão encantadora.
No
dia seguinte, eu realmente me sentia em uma das
regiões mais antigas do mundo. Finalmente
elas, as grandes pirâmides! Uma fusão
de euforia e simplicidade invade a alma e emociona.
Elas estão logo ali, enormes, misteriosas,
milenares e, ao mesmo tempo, tão normais
encaixadas no cenário.
A
viagem toda já vale a pena só com
a visão das três grandes pirâmides
de Queops, Quefren e Miquerinos.
O
passeio de camelo remete às leituras de "As
Mil e Uma Noites" (leia imediatamente!) e faz
o tempo voltar à época dos faraós,
lâmpadas, oásis e caravanas no deserto.
O "subir" e o "descer" do camelo
são inesquecíveis.
A
possibilidade de entrar na pirâmide de Miquerinos
mexe com minha imaginação. Tenho que
entrar com a cabeça abaixada e descer muitos
degraus para chegar ao centro da pirâmide:
uma sala retangular escura, fria e úmida,
que parece feita de pedras de granito bruto.
As
pessoas falam: "Não tem nada para ver
lá dentro, é só uma sala!"
E precisa ver alguma coisa? Só a energia
que penetra no corpo e na alma vale o esforço
de descer ao fundo da pirâmide. Sim, descer
– e não subir.
Os
faraós não viam sentido em construir
belas moradas para viver cerca de 80 anos. Eles
construíam verdadeiros templos para abrigar-lhes
durante toda a eternidade.
O
dia ainda guardava surpresas – e das grandes.
Do outro lado das pirâmides, a Esfinge. Realmente
enigmática, fica ali, magnânima, onipotente,
enorme, olhando o infinito, como se protegesse a
história. Sem mais palavras...
Muitas
festas, bailarinas, cantores e músicos me
fazem sentir os sons de forma diferente, mais harmoniosos
e sentimentalistas.
A
harmonia também aparece no trânsito
aparentemente caótico e tomado por buzinas
– por incrível que possa parecer, nenhuma
batida de carro. Roubo ou assalto são inadmissíveis
para os muçulmanos – e estes crimes
praticamente não existem no país.
Depois
da diversão é hora de ir para a escola.
E quem disse que isso não é diversão?
Bailarinas, coreógrafos, grandes mestres
e divas da Dança do Ventre deram aulas magníficas,
onde o mais importante é o sentimento –
e não a técnica.
O
Egito é isso, tudo deve ser sentido, experimentado,
sonhado. O cenário só ajuda: a beleza
do Nilo, bem no meio da 5ª maior cidade do
mundo, com 20 milhões de habitantes. O Museu
do Cairo, com surpresas a cada passo e os tesouros
de Tutankamon. O Museu do Papiro, com retratos de
uma vida de glórias. As perfumarias, que
exalam cheiros deliciosos por toda a cidade. O chá
Karkadeh, que recepciona em todos os lugares. A
comida diferente, apimentada e exótica. A
torta de figo seco, que está até agora
revelando seu sabor. Cabelos cobertos, para não
revelar belezas nem despertar paixões. O
Nilo mágico à noite, a bordo de um
barco com jantar dançante. As mesquitas,
com a religiosidade e a fé verdadeiras, que
param tudo no momento da oração. A
Sexta-feira como dia santo, quando quase tudo fecha.
Muçulmanos, católicos e judeus convivendo
pacificamente, numa região caracterizada
por conflitos religiosos. O mar de azul intenso
de Alexandria, que revela a beleza do Mediterrâneo
e inspira o amor. As múmias e catacumbas,
que despertam o medo e a curiosidade...
O
fim se aproxima – e uma angústia também.
Antes disso, uma despedida em grande estilo: show
de som e luz nas pirâmides à noite.
O que eu poderia pensar ser absolutamente impressionante
sob a luz do Deus Sol fica ainda mais misterioso
sob o jogo de luzes criado para turistas. Ainda
bem, o espírito capitalista tem suas vantagens.
A
viagem que era sempre agitada e inspirou fortes
amizades – com 51 mulheres e 4 homens querendo
fazer tudo em tão pouco tempo – mudou
completamente. Apenas 9 pessoas permanecem juntas,
e fazem uma nova história rumo ao Líbano.
As
diferenças são chocantes. O Líbano
é um país "normal", ou melhor,
tem o estilo ocidental. Tudo parece mais familiar
– lojas, carros, bares, roupas... Eu já
estava até desacostumada a vestir roupas
normais depois de andar meio coberta no Egito.
Reconstruído
após a guerra, o Líbano é um
país rico, que se mostra abertamente aos
turistas. A cidade de Jounieh, balneário
chique localizado ao lado da capital Beirute, é
nosso porto seguro.
A
diversão se revela com muita música,
arguiles, pistaches, damascos e cerejas até
altas horas. O sanduíche de kafta delicia
o paladar. O museu do pintor e poeta Gibran lembra
a Europa, organizado, mas com um toque pessoal.
As
belezas naturais não deixam por menos. O
teleférico revela as nuances da baía
de Jounieh. O Cedro, árvore bíblica
símbolo do país, é diferente
e bonito, mas nada comparado à gruta Jeita.
Se
você não tinha motivos para ir ao Líbano,
agora já tem. Aberta ao turismo há
30 anos, a gruta Jeita tem salões imensos
que chegam a 400m de altura, 400m de largura e 800m
de comprimento. Dizem que deve ter cerca de 7 km
de extensão, mas ninguém sabe...
As
mãos da natureza criaram ainda um lago de
águas geladas e cristalinas dentro da gruta,
o que cria um ambiente mágico que encanta
o coração. Foi o segundo êxtase
da viagem, depois das pirâmides.
Uma
pausa na repentina liberdade e um passeio a Damasco,
capital da Síria. Muito mais conservadora
que o Egito, a Síria mexe com os princípios.
Mulheres completamente cobertas, da cabeça
aos pés, passando pelas mãos. Não
dá para ter a menor idéia do corpo
que há embaixo de tantos panos escuros, convivendo
desde jovem com um calor de mais de 30º graus.
A
fama de lugar ideal para os mercadores é
comprovada no grande mercado que oferece produtos
de todos os tipos. Tecidos, bijuterias, relíquias,
especiarias e um delicioso sorvete de creme com
pistache. Que vontade...
De
volta ao Líbano, um mergulho no passado.
As ruínas de Baalbeck lembram as aulas de
história e comprovam a liderança romana
na época antiga.
O
Oriente é realmente lindo, fascina, impressiona,
choca, desafia, acalma, questiona, explica, felicita,
acolhe, sorri, encanta e se mostra contrastante
como um mosaico, mas nem tudo é perfeito.
Adorei a viagem, mas não há nada como
voltar para um lugar onde as mulheres mostram a
cara e lutam para viver o dia a dia dignamente e
da forma como escolherem. Assim é o Brasil,
um lugar onde a liberdade é o maior tesouro.
Elis
Paulucci